A Festa do Círio de Nazaré acontece todo ano, no mês de Outubro, em Belém do Pará, em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré, Padroeira da Amazônia e dos Paraenses. A procissão do Círio, principal de uma série de eventos, atrai quase dois milhões de turistas e promesseiros, como são conhecidos os devotos, e é tida como a maior procissão católica do mundo. Mas é muito mais que um evento religioso, é uma grandiosa manifestação popular, cultural e histórica. As duas frases que mais ouvi quando cheguei no Pará foram: “Feliz Círio”, cumprimento típico da festa, e “o Círio é feito de histórias”. Esta me intrigou porque amo histórias e estava pronta para ouví-las. Confesso que me emocionei em diversos momentos e decidi trazer para vocês algumas histórias do círio de Nazaré. Espero que vocês se emocionem tanto quanto eu.
Amor ao próximo independente de religião
Chamando muita atenção de todos que passavam, este grupo de evangélicos da Assembleia de Deus distribuía água, café e sorrisos para a multidão que seguia a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré.
Dois jovens do grupo logo me explicaram: “Estamos aqui cumprindo o principal mandamento: amar o próximo.”
História da Rebeca e do Caio, Belém – PA
De Castanhal até Belém a pé
Há 13 anos participando da romaria a pé de Castanhal até Belém (aproximadamente 72km), Edson estava sendo atendido pelos voluntários da Casa de Plácido, local especial para receber e cuidar dos promesseiros que chegam na cidade. Seus pés necessitavam mesmo de cuidado. Ele me contou que só falhou a caminhada em 2015, após uma operação no joelho, mas que é fiel à sua romaria e pretende não falhar mais. Edson começou a caminhada em agradecimento à proteção de sua família, mas após três anos, nasceu um sobrinho com autismo, portanto, ele leva uma atenção especial nas intenções.
Escritor e professor de sociologia, ele pretende lançar um livro no próximo ano sobre o que presencia na estrada. As histórias de solidariedade, como quando estava sozinho, muito cansado e encontrou três rapazes, que ao verem seu estado, seguiram com ele até o fim, para ter certeza de que ele conseguiria. Ou como quando se passou por mendigo, devido ao aspecto cansado de estrada, e conseguiu muito apoio das pessoas. Como diz Edson “há muita fé, mas também coisas ruins”, como alguns assaltos e até acidentes. “Eu tenho um material vasto, são muitas histórias” finalizou, confirmando o que venho escutando desde que cheguei.
História do Edson Menezes, Capanema-PA
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Somente agradecer
22 horas de caminhada, sem parar. Foi o que Luciana levou para percorrer os 65km que separam Mosqueiro e Belém. Há 18 anos na romaria, Luciana diz que sempre vem agradecer, nunca pedir. Em troca, diz que recebe muitas graças ao longo do ano. “A gente vem em oração e vigília até a Basílica e depois se recupera na Casa de Plácido. O ônibus leva todo mundo de volta.” Ao ser questionada sobre a maior motivação para tanto sacrifício, Luciana responde: “a fé. Eu venho repetindo na minha mente ‘a fé é maior que a minha dor.’ Quando a imagem passa por nós no caminho, esqueço que meu pé está em carne viva e ganho mais força para chegar até aqui. Chego feliz e satisfeita”.
Luciana Moares, Mosqueiro-PA
A famosa corda
Um dos maiores símbolos do Círio é a corda. Ela é atrelada à berlinda e carregada pela multidão, como se puxasse a imagem pela procissão. O Lucas, que todo ano se espreme para carregar a corda, conta que estar ali durante a procissão é não ter o controle dos movimentos, “é uma onda que te leva e você tem que se deixar levar”. Para ele “a corda é como um cordão umbilical que liga a Mãe (a Imagem) ao filho (o povo).”
Talvez por essa sensação, seja tão importante encostar na corda, apesar da imensa dificuldade, afinal são quase 2 milhões de pessoas tentando. A solidariedade de quem está ali segurando, é mesmo de irmão, todos se ajudam e se protegem. Inclusive as pessoas vão descalças para não machucar as outras.
Toda esta simbologia talvez explique a grande comoção quando a corda é cortada, já no final da procissão. É a separação entre mãe e filho que, a partir dali, seguem unidos pelo amor.
História do Lucas Leal, Icoaraci-Belém – PA
Família reunida
Lídia estava com sua filha assistindo a trasladação, evento que acontece na noite anterior ao Círio que leva a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré da Basílica até a Catedral. Ela contou que tem a programação “típica do Círio”, reúne sua família toda em sua casa para ver a procissão passar, incluindo a nora que “é evangélica, mas sempre participa”. Em seguida, almoçam Maniçoba, prato tradicional de Belém e muito comum nas mesas das famílias nestes dias de festa. Lídia encerra dizendo: “eu amo Nossa Senhora, amo o Círio, pra mim essa festa é a melhor do mundo. Que Deus e Nazinha nos dê saúde e nos proteja.” Amém, Lídia, amém.
História da Lídia e da Ana Paula, Belém-PA
Cachorrinha promesseira
Dona Maria do Socorro carregava a maquete de uma casa em uma mão e a coleira de sua cachorra Baronesa na outra. Muito simpática nos contou que estava participando do Círio como um agradecimento por ter conquistado a sua casa.
Contou que na antiga “chovia mais dentro do que fora” e que está conseguindo terminar a construção da casinha para viver com sua amada cachorrinha “que também é promesseira”, garante.
História da Maria do Socorro e da Baronesa, Belém – PA
Mais histórias do Círio de Nazaré
Duas vezes Maria
“Há poucos dias minha irmã teve um surto psicótico e não conseguia falar com ninguém, foi inclusive internada”, já me explicou Andreia, carregando uma cabeça de cera.
É muito comum pessoas carregando “velas” em formato de partes do corpo, simbolizando uma graça específica naquela área. Andreia disse que carregava duas forças nos braços, a de Nossa Senhora Aparecida, que havia sido homenageada um dia antes, e a de Nazaré. E que agradecia às duas, que na verdade são duas representações da mesma Maria, o fato da irmã estar recuperada. Assim, Andreia seguiu feliz o seu caminho, devota duas vezes de Nossa Senhora.
História da Andreia, Belém-PA
Pela recuperação da filha
Os sacrifício são inúmeros, como se já não bastasse o calor, a multidão, a distância e a idade avançada, o seu Rosenildo ainda carregava uma cruz de madeira nos ombros.
Mesmo com dificuldade, ele conseguiu falar o motivo. “É pela recuperação da minha filha após uma cirurgia. Foi uma graça que recebi.”
História do Rosenildo, Abaitetuba- PA
De joelhos
Sem dúvidas, os promesseiros que mais chamam à atenção para nas histórias do círio de Nazaré são os que fazem todo o percurso de joelhos. São 3,6km que eles percorrem no silêncio de sua dor e na força da sua fé. Voluntários carregam papelões e durante o trajeto jogam no chão, para aliviar o impacto nos joelhos daqueles que pagam suas promessas.
Não há um promesseiro de joelhos que não tenha ao menos dois voluntários acompanhando. Aplausos e água também não faltam. E o que sobra? Fé. O Leandro agradecia pelo fato do avô estar em casa com a família após sofrer um infarto, ficar dois meses na u.t.i, com poucas chances de recuperação. “Foram duas vitórias, a recuperação dele e chegar até aqui, na Basílica”.
História do Leandro, Belém – PA
Ver para entender
Nem só de fiéis vive o Círio, há os que não seguem nenhuma religião, mas que chegam para conhecer e participar desta manifestação cultural tão famosa. Foi o caso do Diego que é fotógrafo, paulistano de nascimento e paraense de coração. Enfrentando suas questões – e restrições – em relação à Igreja, mas mantendo seu foco nas histórias e culturas diversas, Diego conseguiu ver só o lado bonito de tudo. E de uma maneira muito intensa.
“Independente de crença e religião, você vê que todo mundo é igual e que a fé está dentro de todo mundo. Foi muito lindo! Recomendo.”
História do Diego Imai, São Paulo – SP
Sobre as histórias…
Convidada pela Lu do Te Vejo Pelo Mundo para reapresentar o blog na cobertura do Círio 2019 junto com a Secretária de Turismo do Pará, me enchi de expectativas. Para contextualizar: sou caipira, pira, pora, Nossa Senhora de Aparecida. Nasci em Aparecida (SP) e desde cedo me entendi com Nossa Senhora como “alguém próximo”. Era a “minha” Nossa Senhora. Por mais que entenda que as Imagens de Nossa Senhora espalhadas pelo mundo (Fátima, Guadalupe, Aparecida, Nazaré) são representações locais de Maria, há esta competição sem razão entre festas e demonstrações de fé. Portanto, fui disposta a conhecer, mas certa de que a festa de Nazaré não impressionaria uma “filha de Aparecida”.
E como que para provar que eu estava errada, eu vivi o Círio por completo, em todas as suas emoções. Vi a apresentação do novo manto, dentro da Basílica e senti aquela emoção que só um templo lotado de pessoas de muita fé pode dar. Emoções iguais, mas diferentes. Acompanhei a romaria fluvial onde reconheci a relação de ambas Imagens com a água. Iguais, mas diferentes. Assisti a preparação da festa, na véspera, com a trasladação da Imagem até a Catedral. Lembrei daquele burburinho que antecede o “grande dia”, com as ruas tomadas por devotos, muitos já posicionados para o dia seguinte. Aquela confusão organizada, aquele desejo de que tudo dê certo. Iguais. Mas aí veio o Círio. Aí foi diferente.
Diferente e incrível
Diferente do que havia planejado, diferente do recomendado, diferente de tudo que tinha feito: segui a procissão do Círio. Deixei de ser a colaboradora, deixei de ser a profissional, deixei de ser só de Aparecida. Fui como qualquer outro devoto de Nossa Senhora, descalça, emocionada e agradecida, do começo ao fim. E ainda fui abençoada de conseguir encostar na poderosa corda. Da festa Padroeira do Brasil fui conquistada pela festa da Rainha da Amazônia, onde o povo é o protagonista. Pude entender que Maria é igual. Já as festas, diferentes.
Minha história, Thaís Macedo, Aparecida – SP
Espero que você tenha se emocionado tanto quanto eu com as histórias do círio de Nazaré, o evento é realmente algo grandioso e muito mais emocionante do que eu imaginava. Se você também tem uma história com o Círio deixe aqui nos comentários para que a gente possa saber.
9 Comentários
Parabéns minha amiga pelo belíssimo trabalho e por essas descrições incríveis e emocionantes.
Obrigada você pelo depoimento, Lucas. Você é parte disso tudo.
Emocionante relato que retrata muito bem a grandiosidade da fé, da gratidão e da religiosidade!
Obrigada Vinícius. Você disse bem, é tudo muito grandioso.
Belo texto e histórias marcantes!
Obrigada, Daniel. Realmente as histórias são marcantes.
Nossa Tata q grandiosidade e emocionante está demonstração de fé do nosso povo!!!viva o Cirio de Nazaré!! Parabéns pelo texto!!!
É emocionante mesmo. Obrigada e Viva!
Fui para o Pará no mês de Setembro e todos que eu encontrava por lá me perguntavam se eu iria ficar para o Círio de Nazaré. Fiquei com o coração apertado de não ter me planejado melhor. Mesmo não sendo muito religiosa, entendi estando lá, o quanto esse evento é importante e mobiliza tudo. Adorei poder conhecer as histórias do Círio de Nazaré por aqui.